Uma breve história sobre o segundo produto mais consumido do mundo
Semana passada a Veja lançou mais uma daquelas matérias que atiça a curiosidade de qualquer entusiasta da construção civil: “por que o concreto romano é mais resistente que o concreto moderno?” A matéria é baseada em um artigo publicado pela American Mineralogist, que tem foco bem grande na reação dos componentes químicos do concreto, e como os romanos já naquela época haviam conseguido criar um material duradouro e resistente. Mas pra entender essa história a gente precisa viajar um pouco no tempo, mas não sem antes entender melhor a composição do nosso concreto amado.
Concreto é uma pedra artificial, composta basicamente de 4 componentes: Aglomerante (cimento ou cal ), Agregado Graúdo ( Brita/pedra), Agregado Miúdo ( Areia ) e água. Ao produto da mistura de Aglomerante, Agregado Miúdo e água se dá o nome de Argamassa. Já as estruturas convencionais modernas, quando da utilização de concreto, são feitas de: Concreto Armado, Concreto Protendido ou Pré- Moldados de concreto. O concreto se dá pela reação química e mecânica dos seus componentes, que produzem uma massa porosa de alta resistência. Os poros são produzidos pela evaporação da água em uma reação que libera calor (exotérmica), e sua resistência aumenta conforme a idade do concreto, sendo a resistência de cálculo normalmente baseada nos 28 dias.
Concreto armado nada mais é do que um material estrutural onde ocorre a solidarização entre concreto e o aço, dada pela adição do concreto simples com uma armadura passiva. Já o concreto protendido funciona de forma análoga, mas com uma armadura ativa, que é dada pela protensão ou “pré-tensão” normalmente causada por cabos ou cordoalhas submetidos a uma força de tração. Essa armadura atua para reduzir ou até mesmo eliminar as tensões que podem surgir quando o concreto começar a sofrer os efeitos do carregamento sob o qual está submetido. Por fim temos o concreto pré-moldado, que normalmente é um concreto protendido, feito em centrais industrializadas, especializadas nessa técnica, que fornecem peças padronizadas para a construção.
Perceba portanto que existe uma diferença entre as estruturas modernas e as romanas, uma vez que as estruturas modernas se valem do solidarização do aço, e as romanas usavam apenas concreto simples. E ainda assim não estamos falando do mesmo tipo de concreto…
Lembra-se que mencionamos que o aglomerante pode ser cimento ou cal? Atualmente nós usamos o Cimento Portland, sendo mais comum o CP II E 32. Nossos antepassados romanos usavam um concreto com Pozolana no lugar da cal. Pozolana nada mais é do que uma cinza vulcânica, da Bahia de Napoli na Itália, na região de Campo Flegrei, mais especificamente na cidade de Pozzuoli, vizinha a Bacoli. Essa cinza melhorava a resistência das argamassas de cal e areia, mesmo quando submetida às marés e à ação do tempo, e eram consideradas um bem precioso do império romano. Mas não era uma exclusividade pois, sabe-se que os gregos de Santorini também utilizavam cinzas vulcânicas para suas construções… Uma vez que Napoli foi fundada por gregos não é difícil suspeitar que a técnica romana talvez seja nada mais do que uma herança de seus fundadores gregos…
Acontece que a região é limitada, e e nem sempre se conseguia a extração de tais cinzas. Como solução por vezes os romanos utilizavam de forma análoga produtos provenientes de barro cozido, como tijolos, vasos etc. Com o declínio romano também ocorreu o declínio da utilização da Pozolana, e consequentemente da qualidade das argamassas, fato que só melhorou a partir do século XVII. E foi em 1726 que nosso primeiro Engenheiro Civil, John Smeaton, percebeu que os calcários com adição de argila apresentavam superioridade aos calcários puros para a fabricação dos aglomerantes.
Porém foi apenas em 1824 que surgiu o Cimento Portland, criado por Joseph Aspdin, um fabricante de tijolos do condado de York, que atribuiu esse nome graças à aparência que o material produzido tinha com as pedras da região de Portland. O “Cimento" de Joseph Aspdin era na verdade uma Cal Hidradata artíficial, mas o processo utilizado por ele deu origem do cimento como conhecemos hoje em dia, é por conta dele que o cimento ainda recebe o nome de Portland.
Talvez a grande evolução do cimento não tenha sido no aspecto da resistência, mas sim na produção e aplicação do material. Smeaton e Aspdin buscavam soluções práticas que criassem um material resistente, de fabricação econômica e que pudesse atender às demandas que lhes eram impostas. Vale lembrar que estamos falando de uma época de revolução industrial e as cinzas pozolanicas são um bem finito e caro, do qual a indústria não pode ser dependente.
Ainda assim ela é utilizada no cimento de hoje em dia. Lembra que eu disse que o cimento mais utilizado é o CP II E 32? CP significa Cimento Portland, os algarismos romanos representam o tipo de cimento, a letra representa qual tipo adição e o número representa a resistência do concreto à compressão aos 28 dias.
Por curiosidade a Norma Brasileira - NBR 11578, diz que a composição do cimento pozolânico deve ser:
Clínquer: 76 a 94%
Pozolana: 6 a 14%
Calcário: 0 a 10%
Para os curiosos, retiramos da Associação Brasileira de Cimento Portland uma tabela com os diferentes tipos de cimento disponíveis no mercado brasileiro:
Portando muita calma nessa hora, não é que o produto romano era essa Brastemp toda. O artigo desvenda um dos mecanismos pelos quais o concreto pozolanico romano se “auto-refaz”. Resumindo de forma bem simples: enquanto a reação do concreto de cimento portland em condições análogas à do romano produz géis expansíveis que degradam a estrutura, os concretos pozolanicos romanos produzem cimentos minerais que refinam ainda mais o espaço dos poros, e melhoram a ligação do concreto.
Lembra que a resistência do concreto aumenta conforme a sua idade? Sim você leu bem, quanto mais velho mais resistente é o concreto….Isso é verdade enquanto se tenham condições favoráveis para que as reações internas do concreto ocorram naturalmente. Interferências externas de ambientes agressivos, como o ambiente marinho, podem levar a reações indesejáveis, provocando a expansões indesejadas, perda da resistência entre outras patologias prejudiciais. Esse artigo faz parte de uma série de estudos que tem sido desenvolvido no mundo todo, na obtenção de concretos regenerativos, concretos que sejam capazes de responder positivamente a situações adversas. Nesse contexto acabamos de descobrir o funcionamento de um produto que já utilizamos há muito tempo, mas que nunca dominamos por completo seus meandros.
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