Tá caro, seu Zé falou que dá pra fazer com metade disso
Ainda que Projetos e aprovações custem, em média, apenas 5% da obra, o grande imaginário popular ainda carrega a idéia de que contratar um profissional especializado — i.e. : um Engenheiro ou Arquiteto — deixa a obra mais cara. Tal ideia remonta a um passado colonial, onde a mão de obra especializada era custosa, e boa parte dos profissionais do ramo da AEC (Arquitetura Engenharia & Construção) eram ligados ao império. Também está ligada à ideia dos Arquitetos Popstar, onde uma simples casa de 100 m2 pode custar um milhão simplesmente pela assinatura da projetista.
Mas a verdade é que esse pensamento está muito distante da realidade atual do mercado da construção civil. Na hora de explicar porque compensa contratar um engenheiro, muitos colegas de profissão preferem focar seus discursos na importância da engenharia, no quesito de segurança e estabilidade das estruturas, ou então na racionalização do uso dos materiais. Considero ambos os argumentos válidos, porém distante da realidade do cliente, que frente a um grande portfólio “do pedreiro conhecido”, acreditam que a estabilidade 10 casas assegura a de 11 casas. Prefiro jogar a luz sobre algo mais importante, também relacionado ao questão de segurança porém menos disseminado: o método dos Estados Limites.
Não esse texto não irá tratar quesito técnico dos estados limites, não se preocupe, minha missão aqui é a de apenas explicar aos leigos como os projetos de engenharia são feitos. Mas cabe aqui uma pequena introdução: a partir do início da década de 90, projetistas brasileiros começaram a adotar os Método dos Estados Limites, seguindo uma tendência global, passando a ensinar tal método nas escolas de Engenharia e gradativamente atualizando as normas estruturais para trabalhar sob tais métodos. Trata-se de um método semi-probabilístico, que passou a vigorar em substituição a um método determinístico. Não se preocupe você não precisa saber o que significa semi-probabilístico e determinístico, não precisamos discutir isso.
O que você precisa saber, é que toda estrutura, por mais segura e bem construída que seja, se deforma, e esse é um processo natural que profissionais qualificados consideram na hora de dimensionar qualquer estrutura. A consideração é feita tomando-se duas hipóteses: o Estado Limite de Serviço e o Estado Limite Último. O primeiro Estado se refere ao quanto a estrutura deve suportar até que sua deformação represente incomodo para a utilização pelo usuário. Exemplo disso são as estruturas de madeira dos telhados, que tentem a formar uma “barriga” com o tempo. Sim meus amigos, aquilo é calculado.
O segundo estado é o “Estado Limite Último”, igualmente importante no aspecto do dimensionamento, mas infinitamente mais relevante quando tratamos da segurança do usuário. Trata-se do estado de ruína, ou seja: quando as deformações na estrutura levam-na ao colapso, causando sérios riscos à integridade física dos usuários. Diferentemente do estado limite de Serviço, o Estado Limite Último é o estado no qual nenhuma edificação, atuando sob seus critérios dimensionados, deve chegar. E o que isso significa? Significa que o Engenheiro calcula todas as hipóteses prováveis de ruína de uma estrutura, e a dimensiona para suportar os esforços a que ela estará submetida. E mais que isso a estrutura é dimensionada de forma a avisar o usuário, que ela está atingindo seus limites.
Você não leu errado, a estrutura avisa que ela não está mais suportando a carga, não apenas dando a chance para o usuário realizar algum reparo mas também para garantir sua segurança em casos extremos, possibilitando a evacuação do local. De maneira mais simplificada: em caso de desmoronamento a casa não ira desabar sem antes te avisar, com um estralo, com fissuras aparentes, com portas e janelas empenando, com elementos estruturais “embarrigados” ou visivelmente tortos, com água empoçando em locais que antes não empoçavam e com diversos outros sinais de aviso.
“Mas ai é só fazer uma estrutura um pouquinho mais robusta que aguenta tudo isso ai”
Infelizmente não é tão simples assim. Ao dimensionar uma estrutura o engenheiro trabalha com domínios de deformação — para estruturas convencionais de concreto, existindo semelhança com estruturas de aço e madeira. Os domínios vão dizer ao engenheiro como a estrutura irá se comportar conforme se aumenta a seção, ou se aumenta a taxa de aço (quantidade de aço). Existem domínios específicos aos quais o projetista deve se ater na hora de dimensionar uma estrutura, tais domínios vão indicar por exemplo, se a ruptura do elemento se dará de forma abrupta, ou se será depois de elevada deformação. Por exemplo, o uso excessivo de armaduras (aço) pode tornar a estrutura super-armada, não permitindo o escoamento do aço. O que em outras palavras quer dizer que o concreto irá romper antes do aço. O formato de ruptura é brusca e antieconômica, pois você gastou mais aço para uma estrutura menos segura.
“Ah mais então é só aumentar a seção”
Infelizmente você irá recair no mesmo erro, mas dessa vez subaproveitando o concreto, e ainda assim tendo uma ruptura brusca.
“Ah mas você acha que o Seu Zé não sabe disso?”
Não, “Seu Zé” não sabe porque nem mesmo o Engenheiro que vai dimensionar a obra sabe, pelo simplesmente fato de que cada caso é um caso, e existem diversas variáveis que influenciam o dimensionamento. Condições meteorológicas, terreno, número de pilares e vigas, disposição dos elementos estruturais, tipo de aço escolhido, número de barras utilizadas, agressividade do ambiente, número de estribos utilizados, tipo de concreto utilizado, tipos de atividades que serão desempenhadas pela estrutura, sobrecargas de utilização da estrutura, e tantos outros aspectos que são levados em conta na hora do dimensionamento. Não dá pra saber de cabeça, só calculando mesmo.
A grande verdade é que a Engenharia trata de solucionar problemas buscando a melhor solução, que abrange sempre três pilares básicos: funcionalidade, economia e segurança. Apenas um profissional capacitado sobre os fortes conceitos acadêmicos de AEC poderá dimensionar uma estrutura garantindo tais princípios.
Na Parte II eu irei citar em tópicos os motivos para se contratar um engenheiro.
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